Alvarães, AM |
A FORÇA SEDUTORA
DAS “MARGENS”
“Vamos para a outra margem!” (Mc 4,35)
O evangelho deste domingo fala de movimento, de deslocamento em direção a outras perspectivas, de saída dos próprios espaços de proteção e segurança, para acolher outras vidas, outras histórias, abrir-se ao novo, ao diferente. Que significa, para cada um, a outra margem? Desde logo, não há resposta padrão; ela é muito pessoal, como é pessoal a adesão à pessoa de Jesus. Convite pessoal e comunitário, de relação amistosa profunda, para encontrar n’Ele nossa segurança e, assim, continuar a vida com mais inspiração.
É uma grande riqueza ir às margens de nossos
irmãos, não como turista, mas como peregrinos.
Jesus convida a todos nós a
cruzar o mar em direção à outra margem. Estamos tão acostumados em nossa margem
rotineira que não é fácil arriscar e fazer a travessia; nem sequer estamos
convencidos de que exista outra Margem, mais além das comodidades e das
seguranças que buscamos. No entanto, nossa meta está do outro lado do risco e
do perigo. A falta de confiança continua sendo a causa de não nos atrevermos a
dar o passo; resistimos acreditar que Ele vai em nossa própria barca.
“A nossa fé não é uma fé laboratório, mas uma fé caminho, uma fé histórica. Deus se revelou como história, não como um compendio de verdades abstratas... Não é preciso levar a fronteira à casa, mas viver em fronteira e ser audazes” (Papa Francisco).
Entrar na
barca com o Mestre significa “embarcar” na vida d’Ele, correndo riscos de
sofrer rejeições, abalos e tempestades.
O contexto
social pós-moderno desencadeou uma complexa turbulência em todos os domínios da
vida, gerando novos desafios para a adaptação do ser humano a seu ambiente. As
pessoas sentem-se cada vez mais ameaçadas, por realidades externas e internas,
a sensação de insegurança aumenta e torna-se mais indefinida; por conseguinte,
os níveis de ansiedade e angústia são cada vez mais elevados, conduzindo a
verdadeiras situações de ruptura e desespero.
Reforçam-se e elevam-se os gradeamentos,
mudam-se e sofisticam-se as fechaduras, as pessoas armam-se, as sociedades
ficam cada dia menos seguras e estáveis. É um círculo dramático e infernal cujo
resultado é o desenvolvimento crescente de uma espiral de medo, de violência,
de stress..., tornando as pessoas insensíveis, passivas e conformadas.
É com esta situação que temos de aprender a
lidar e a conviver. De fato, a pressão rotineira vivida cotidianamente nos
diferentes ambientes demanda uma enorme competência e uma capacidade de
adaptação diante de situações altamente adversas, agressivas e até violentas.
Em primeiro lugar, “passar
para a outra margem” nos evoca o chamado a assumir um deslocamento
social e religioso que tem um componente de risco e mudança. Implica sair do
conhecido, abandonar as próprias seguranças; mudar de lugar, geográfico e/ou
existencial, ir aonde ainda não temos ido e enfrentar uma travessia incerta; e,
por último, atrever-nos a entrar em contato com o diferente e desconhecido e
aceitar ser transformados. Esse desafio hoje nos sacode e pode gerar em nós
inquietude e desassossego, como a tormenta que ameaça os discípulos depois de
entrarem na barca.
A “outra margem” é a novidade do presente, a
descoberta incessante, a amplitude sem limites. Mas só poderemos começar a
cruzá-la se estivermos dispostos a deixar nossos caminhos trilhados e nos
entregarmos com docilidade à Vida – outro nome de nosso “mestre interior”.
O primeiro desejo de chegar à outra margem
nasce de dentro, do coração, que entende
sua missão como busca e peregrinação interior, como um colocar-se
em movimento...
Sair da margem conhecida,
“velha”, rotineira... para encontrar a nova margem: lugar de relação, de questionamento, de criatividade, de encontro com o novo e
diferente…
A outra margem, lugar provocador, incitador, que
desperta curiosidade... Aqui brotam as grandes experiências religiosas, as intuições, projetos, ideais vitais.
Caminhar para a outra margem
é sair do
centro, da segurança, da acomodação...
e ir em busca das
surpresas, das novas descobertas; implica arriscar, ter ousadia, não ter medo de
caminhar para
os “confins da terra”, para regiões
desconhecidas em seu próprio interior...
Precisamos, para isso, ativar nossa “inteligência
espiritual”, como a capacidade que nos permite acessar e conectar com essa dimensão
profunda, à qual nos referimos com o termo “espiritualidade”.
No entanto, é na vivência da adversidade
que se dá o encontro das oportunidades para o crescimento.
Isto quer dizer que, diante da adversidade,
a pessoa mobiliza um conjunto de recursos dos quais não tinha consciência
anterior, mas cujo efeito é potencializador de crescimento e enriquecimento
pessoal.
Na oração: Nas
nossas vidas acontece algo de verdadeiro e belo quando nos dispomos a buscar dentro de nós mesmos a razão da nossa
existência.
- A nossa vida é um êxodo,
um sair constante de uma realidade para entrar em uma outra realidade nova.
O peregrinar é o elemento determinante
e com maior valor simbólico para toda a vida.
- Existem
ainda céus por explorar, aventuras por empreender,
pensamentos por experimentar e experiências por aceitar; falta-nos ainda muito por saber, por
ver, por sentir, por desfrutar...
- No “mapa
espiritual” de nosso interior ainda existe uma “terra
desconhecida”, que desperta
interesse à vida, suscita curiosidade, nos põe a caminho... Grandes surpresas interiores estão à nossa
espera, e a capacidade de continuar buscando é que dá sentido ao esforço e vigor
à vida.
Pe. Adroaldo Palaoro, sj