“...soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o
Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados...”
(Jo 20,22)
Só o amor misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro,
destrava nosso coração e nos move em direção a horizontes maiores de busca,
responsabilidade e compromisso.
Pentecostes vem nos revelar que a Misericórdia é a primeira, a última, a
única verdade da Igreja, de todas as suas doutrinas, cânones e ritos. É o
critério de juízo de todas as religiões.
Pentecostes da Misericórdia põe em movimento os grandes dinamismos de nossa vida; debaixo do
modo paralisado e petrificado de viver, existe uma possibilidade de vida nova nunca ativada.
A misericórdia
é a luz e a chave de nossa vida tão preciosa e frágil, de nosso pequeno planeta
tão vulnerável, do universo imenso e interrelacionado e do qual fazemos parte.
Tal experiência provoca um movimento que rompe
fronteiras e barreiras. Assim, o Espírito faz superar o fundamentalismo, a
hipocrisia, a apatia e o medo. Não há nada de mágico. O Espírito age de modo
silencioso, mas com extraordinária eficácia: a sua força se mostra irresistível.
O seu sopro, penetrando em nossos
corpos, nos recoloca de pé e nos faz, finalmente, viver como ressuscitados.
Deixar-se conduzir pelo Espírito, que habita o
universo e os corações, é deixar-se levar pelo sopro divino.
No Evangelho de hoje, o Ressuscitado comunica
seu próprio Espírito. A imagem de “soprar sobre eles” contém uma
riqueza profunda: significa que Jesus compartilhou com os seus discípulos o que
é mais “vital”, sua própria “respiração”, seu desejo profundo, sua criatividade...,
fazendo-os partícipes de seu próprio Dinamismo e impulso vital, do mesmo
Espírito que O conduziu durante toda sua vida.
O sopro do Ressuscitado sobre os seus
discípulos nos remete ao sopro de Deus no Gênesis, sopro que dá a vida ao ser
humano. Aqui, o sopro de Cristo significa a Vida nova dada aos discípulos, pelo
dom do Espírito Santo, indicando um novo Tempo, uma nova Criação e um novo
Mundo.
Entretanto, uma coisa é essencial para que nasça
esse mundo novo: o perdão. “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem
os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,23). Cabe a nós,
portanto, fazer nascer esse mundo novo através de nossa presença misericordiosa,
sendo mediação do perdão divino.
O perdão é fundamental para a recriação do
mundo, e o Espírito nos dá a possibilidade de dá-lo ao outro e de recebê-lo do
outro, a fim de que nasça esse mundo novo desejado pelo Cristo da Páscoa.
O perdão
é o primeiro dom do Espírito Santo. Sob o impulso do Espírito de
Pentecostes, o perdão prepara o terreno para o novo, para a surpresa, para
colocar-nos em movimento.
O Espírito é movimento e entrar no movimento da Misericórdia humaniza e
cristifica essencialmente a pessoa, porque a Misericórdia constitui “a
estrutura fundamental do humano e do divino”.
“O perdão das ofensas torna-se a expressão
mais evidente do amor misericordioso e, para nós cristãos, é um imperativo de
que não podemos prescindir. Tantas vezes, como parece difícil perdoar! E, no
entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para
alcançar a serenidade do coração”. (Papa
Francisco – Misericordiae Vultus, n.9)
Como seguidores (as) de Jesus, o rosto visível
da Misericórdia, somos chamados a ser presença misericordiosa; é sobretudo
através do perdão que ativamos a “faísca
de misericórdia” presente em nosso interior. O Espírito Santo, o
“Sopro” do Ressuscitado é quem ativa esta “faísca”, revelando que a
originalidade do cristianismo está na grandeza e na vivência desta única força
capaz de movimentar a história, pessoal e coletiva, impulsionando a todos a
romper o círculo vicioso dos sentimentos negativos, escrupulosidades,
culpabilidades, julgamentos...
O perdão
é o mais divino dos atributos divinos, pois só Deus podia inventá-lo. Perdoar é
ser semelhante a Deus, pois este modo divino de proceder está ao nosso alcance.
O perdão é divino em seus efeitos e em seu próprio processo de vida que
desencadeia.
Os recursos do verdadeiro perdão são infinitos;
eles jamais acabam. O perdão é um estilo de vida, é uma disposição permanente.
Na verdade, no nível mais profundo, o perdão não é o que a pessoa faz, é algo
que a pessoa é. Por isso é a dimensão que mais nos distingue como seguidores (as)
de Jesus.
Texto bíblico:
Jo 20,19-23
Padre Adroaldo, SJ
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