Alvarães, AM |
Luanda, Angola - África |
“... quando se
aproximaram de Jerusalém” (Mc 11,1)
A experiência espiritual da Quaresma
implica a travessia do deserto: tempo de despojamento, de pobreza, de confiança
em Deus, de esperança e horizontes abertos... O deserto quaresmal
desemboca na cidade.
E todos sabemos que a cidade é o contrário do deserto:
autossuficiência, segurança, limitação de horizontes, acomodação, conflitos... Cidade
moderna, globalizada pela tecnologia fria e sem alma, amordaçada pela
funcionalidade e pela utilidade, com uma política submetida ao mercado, à
produção e consumo, cidade estendida e sem muros de contorno, mas com horizonte
atrofiado, aparentemente sem Reino de Deus à vista...
Hoje
temos esvaziado a dimensão do deserto
em nossas vidas e nos adaptamos de tal maneira à cidade e às suas exigências
técnicas, produtivas, aos seus programas e solicitações... que acabamos nos
sentindo passivos diante dela.
O tempo
quaresmal nos possibilita manter aberto o acesso ao deserto, que cria um espaço
interior vazio, onde se faz realidade um encontro surpreendente com Deus; a
partir daí, mesmo em nossa atribulada vida na cidade, podemos recuperar a
liberdade do chamado profundo e redescobrir o caminho do Seguimento de Jesus,
que começa e termina nos “aforas” da cidade.
Não devemos perder o deserto que carregamos dentro de nós;
por isso, só podemos “entrar na cidade” seguindo a Jesus
Cristo que é fiel à causa do Reino, com o risco da Cruz (Semana Santa), porque
a Cruz assume, radicaliza e eleva o deserto. Jesus vai morrer nos “aforas” da
cidade, nesse limite fronteiriço entre o deserto e Jerusalém, nesse espaço que
só Deus pode preencher e onde podemos enraizar nossa confiança n’Ele.. A Cruz
se eleva e abraça ambas realidades.
O(a)
seguidor(a) de Jesus é um(a) apaixonado(a) do deserto e que nunca se “encaixa”
nas estruturas da cidade; sua presença sempre rompe com as muralhas, alargando
espaços e acolhendo o diferente.
Se
carregamos o deserto dentro de nós, estaremos vazios de nós mesmos, de nosso
ego, de nossas visões fechadas, de nosso monopólio da verdade. Só assim nossa
presença na cidade vai se revelar inspiradora e provocativa, como a presença de
Jesus em Jerusalém.
Embora
muitas realidades urbanas nos queiram impedir o encontro com Deus, devemos
reconhecer na cidade a presença d’Ele, muitas vezes de um modo imperceptível,
como o sol está presente nos dias nublados. Deus está sempre presente na histórica
e na cultura de nosso tempo. Ele continuamente vem ao nosso encontro. O
cristianismo é a religião do Deus com rosto humano e urbano que nos busca
apaixonadamente em Cristo. Por isso, não é necessário que levemos Deus para a
cidade; Ele já está ali presente, em meio às alegrias e dores, esperanças e
sofrimentos nela.
Padre Adroaldo, sj